Pato Branco, daí!
Quando disse a alguns amigos de São Paulo que me mudaria para Pato Branco, começaram a rir. Fiquei sem graça e perguntei-lhes o motivo do riso. Eles me responderam com um sonoro “Pato Branco, daí” e, de um modo descontraído, disseram que eu iria viver na “terra da Bozena”. “Quem é essa?” – perguntei, sem entender. “Mas você não a conhece?”, responderam eles, “nunca assistiu ao programa Toma lá, dá cá?”. Respondi que não e eles recomendaram que eu o assistisse, para conhecê-la. O fato é que não o assisti de imediato e a reação de meus amigos ficou gravada em minha memória, intrigando-me. O que afinal queria dizer “Pato Branco, daí”? Fiquei me perguntando isso, até que, em uma de minhas viagens a esta cidade, onde agora moro, percebi que muitas pessoas costumam pronunciar um pitoresco “daí” em suas falas, especialmente no final das frases. Para o ouvido desacostumado – como era o meu – não foi tão fácil assim captar de imediato o significado e a função dessa palavrinha. Foi preciso conversar um pouco com as pessoas e ouvi-las atentamente. O curioso é que, com a convivência, parece que eu mesmo começo a querer soltar os meus próprios “daís”!
O programa “Toma lá, dá cá”, eu o assisti apenas depois. Pude perceber que a Bozena é, de fato, muito interessante e engraçada, tendo o mérito de divulgar o nome da cidade de Pato Branco no Brasil inteiro e também fora dele. Entretanto, a forma humorística e caricata como a personagem utiliza a palavra “daí” pode dar a impressão de que ela não tem significado, de que seu uso é aleatório, tratando-se apenas de um vício de linguagem. Ora, quem quer que preste o mínimo de atenção aos falares de Pato Branco – e mesmo aos de outras cidades próximas – vai perceber que nada disso se confirma. O “daí” tem sim um significado e desempenha na frase uma função sintática que o afasta muito de um mero vício de linguagem. Vejamos como isso se dá em algumas situações.
1) Poucos dias após minha mudança para Pato Branco, depois de conversar ao telefone com uma colega de trabalho e lhe expor as dificuldades de alguém que está organizando a vida em uma nova cidade, ela – muito gentilmente – me diz: “liga pra gente, daí, se você precisar de alguma coisa”.
2) Ao passar com minhas compras pelo caixa do supermercado, a atendente me pergunta: “vai precisar de ajuda para levar as caixas de leite?”. Respondo que sim e adiciono que meu carro está no estacionamento, do outro lado da rua. Mediante minha resposta, ela se volta para o rapaz empacotador e diz: “você ajuda ele, daí”.
3) Em uma loja de roupas, após ter provado e escolhido alguns artigos, dirijo-me ao caixa acompanhado de uma vendedora. Ela pega uma máquina calculadora, faz a soma dos valores a serem pagos e comunica o total a uma senhora – provavelmente a dona da loja – que está atrás do balcão. A senhora, por sua vez, responde, apontando para um talão de notas fiscais: “coloca aqui, daí”.
4) Na sala de espera de um consultório médico, observo que duas senhoras conversam. Falam tão alto que não posso deixar de ouvir o que dizem. Uma delas, comentando sua rotina, diz para a outra: “saio para trabalhar e deixo os filhos em casa. Mas eles não fazem o serviço. Não fazem! A gente tem que morrer ou se matar, daí”.
Percebe-se, em todas essas situações, que a palavra “daí” equivale, aproximadamente, à palavra “então”. De acordo com o dicionário Aurélio, a palavra “então” é advérbio e pode significar “nesse caso”. Se o leitor experimentar substituir “daí” por “então” ou pela expressão “nesse caso” nos exemplos citados, verificará que não há grandes prejuízos na significação. Esse pequeno experimento confirma a equivalência aproximada entre as duas palavras e permite afirmar que “daí”, assim como “então”, funciona sintaticamente como advérbio e significa “nesse caso”.
Longe de ser mero vício de linguagem sem significado e sem função sintática, percebe-se que a palavra “daí” se constitui, ao mesmo tempo, como verdadeira marca da identidade linguística pato-branquense e como interessante contribuição para o enriquecimento do português falado em nosso país. É Pato Branco, daí.
Anselmo Lima, doutor e mestre em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, professor de Linguística no curso de Letras da UTFPR – campus Pato Branco.
Quando disse a alguns amigos de São Paulo que me mudaria para Pato Branco, começaram a rir. Fiquei sem graça e perguntei-lhes o motivo do riso. Eles me responderam com um sonoro “Pato Branco, daí” e, de um modo descontraído, disseram que eu iria viver na “terra da Bozena”. “Quem é essa?” – perguntei, sem entender. “Mas você não a conhece?”, responderam eles, “nunca assistiu ao programa Toma lá, dá cá?”. Respondi que não e eles recomendaram que eu o assistisse, para conhecê-la. O fato é que não o assisti de imediato e a reação de meus amigos ficou gravada em minha memória, intrigando-me. O que afinal queria dizer “Pato Branco, daí”? Fiquei me perguntando isso, até que, em uma de minhas viagens a esta cidade, onde agora moro, percebi que muitas pessoas costumam pronunciar um pitoresco “daí” em suas falas, especialmente no final das frases. Para o ouvido desacostumado – como era o meu – não foi tão fácil assim captar de imediato o significado e a função dessa palavrinha. Foi preciso conversar um pouco com as pessoas e ouvi-las atentamente. O curioso é que, com a convivência, parece que eu mesmo começo a querer soltar os meus próprios “daís”!
O programa “Toma lá, dá cá”, eu o assisti apenas depois. Pude perceber que a Bozena é, de fato, muito interessante e engraçada, tendo o mérito de divulgar o nome da cidade de Pato Branco no Brasil inteiro e também fora dele. Entretanto, a forma humorística e caricata como a personagem utiliza a palavra “daí” pode dar a impressão de que ela não tem significado, de que seu uso é aleatório, tratando-se apenas de um vício de linguagem. Ora, quem quer que preste o mínimo de atenção aos falares de Pato Branco – e mesmo aos de outras cidades próximas – vai perceber que nada disso se confirma. O “daí” tem sim um significado e desempenha na frase uma função sintática que o afasta muito de um mero vício de linguagem. Vejamos como isso se dá em algumas situações.
1) Poucos dias após minha mudança para Pato Branco, depois de conversar ao telefone com uma colega de trabalho e lhe expor as dificuldades de alguém que está organizando a vida em uma nova cidade, ela – muito gentilmente – me diz: “liga pra gente, daí, se você precisar de alguma coisa”.
2) Ao passar com minhas compras pelo caixa do supermercado, a atendente me pergunta: “vai precisar de ajuda para levar as caixas de leite?”. Respondo que sim e adiciono que meu carro está no estacionamento, do outro lado da rua. Mediante minha resposta, ela se volta para o rapaz empacotador e diz: “você ajuda ele, daí”.
3) Em uma loja de roupas, após ter provado e escolhido alguns artigos, dirijo-me ao caixa acompanhado de uma vendedora. Ela pega uma máquina calculadora, faz a soma dos valores a serem pagos e comunica o total a uma senhora – provavelmente a dona da loja – que está atrás do balcão. A senhora, por sua vez, responde, apontando para um talão de notas fiscais: “coloca aqui, daí”.
4) Na sala de espera de um consultório médico, observo que duas senhoras conversam. Falam tão alto que não posso deixar de ouvir o que dizem. Uma delas, comentando sua rotina, diz para a outra: “saio para trabalhar e deixo os filhos em casa. Mas eles não fazem o serviço. Não fazem! A gente tem que morrer ou se matar, daí”.
Percebe-se, em todas essas situações, que a palavra “daí” equivale, aproximadamente, à palavra “então”. De acordo com o dicionário Aurélio, a palavra “então” é advérbio e pode significar “nesse caso”. Se o leitor experimentar substituir “daí” por “então” ou pela expressão “nesse caso” nos exemplos citados, verificará que não há grandes prejuízos na significação. Esse pequeno experimento confirma a equivalência aproximada entre as duas palavras e permite afirmar que “daí”, assim como “então”, funciona sintaticamente como advérbio e significa “nesse caso”.
Longe de ser mero vício de linguagem sem significado e sem função sintática, percebe-se que a palavra “daí” se constitui, ao mesmo tempo, como verdadeira marca da identidade linguística pato-branquense e como interessante contribuição para o enriquecimento do português falado em nosso país. É Pato Branco, daí.
Anselmo Lima, doutor e mestre em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, professor de Linguística no curso de Letras da UTFPR – campus Pato Branco.
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